A volta aos escritórios após o isolamento imposto pela pandemia foi marcada pela nova realidade do trabalho híbrido, com profissionais em home office alguns dias da semana. Isso deixou certa dúvida nas empresas em relação ao tamanho e desenho de seus espaços corporativos.
Atingida em cheio pela Covid, a GoOffices Latam viu na solução para essa insegurança um novo filão, que a ajudou a atravessar a tormenta vivida pelo seu setor — nos EUA, por exemplo, a gigante WeWork pediu recuperação judicial.
Com mais de 10 mil clientes e 12 prédios em São Paulo, a Go Offices atrai grandes companhias para uma espécie de adaptação do modelo de coworking da GoWork, seu braço de espaços compartilhados.
Em entrevista ao GLOBO, o fundador e CEO da empresa, Fernando Bottura, conta como criou a GoCorporate, que desenha e tira do papel escritórios para companhias como Ambev, Qualicorp e Rappi em imóveis que subloca com contratos flexíveis.
— Ninguém sabe quantos funcionários vai ter em três anos — diz o executivo, que assume dois novos edifícios na capital paulista neste ano.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista.
Como descreve a GoWork?
Somos um solucionador de escritórios. O negócio nasceu como coworking, que é mais voltado para pequenos e médios empreendedores, e acabou evoluindo agora para uma nova vertente, que a gente chama de GoCorporate, que é a implantação de escritórios para grandes companhias.
Hoje temos duas vertentes de negócio. São 22 mil metros quadrados de coworking convencional, com prédios fracionados em unidades, desde uma estação de trabalho a salinhas de quatro pessoas. É onde o pequeno e o médio empreendedor conseguem ter um escritório bacana, estar num ambiente de empreendedorismo e network, com todos os serviços, mas sem luxo.
Nosso foco é o low cost premium, com um custo possível para o empreendedor, que ainda está crescendo e pensando onde colocar o dinheiro. E temos 30 mil metros quadrados na vertente corporativa.
E como funciona essa segunda vertente?
Como a nossa especialização é profunda em escritórios, começamos a ser procurados por grandes companhias dizendo: sou uma empresa de seguros ou bebidas, não tenho arquiteto e engenheiro. Monta um prédio para mim na Avenida Paulista? Aí começou esse novo modelo focado em empresas de maior porte, de 50 a 1.500 colaboradores.
A gente monta o prédio para a companhia, decora, compra a mobília, faz a infraestrutura de TI, etc. E depois a gente faz toda a gestão, a parte de facilities e tal, mas sempre com uma vibe de conexão entre os colaboradores. Desenvolvemos um modelo de arquitetura com ambientes que conectam as pessoas. Hoje 60% das nossas operações estão com empresas, que querem sair daquele grande escritório com cara de contabilidade, carpetinho e mesinha, tudo igualzinho.
Essa tendência de grandes companhias tentarem criar um ambiente interno de startup vem de algum tempo. Cresceu após a pandemia?
A gente vem fazendo desde 2017. Antes da pandemia, as empresas de tecnologia já tinham cabeça aberta para isso. Depois, outros tipos começaram a buscar a gente, de setores 1.0 mesmo, como escritório de advocacia ou a (cervejaria) Ambev, para quem montamos um prédio inteiro para o centro de tecnologia deles, que tem 500 pessoas.
Após a pandemia, com o home office e o trabalho híbrido, todo mundo começou a pensar: será que vale a pena alugar um imóvel, fazer todo o investimento em arquitetura, comprar mobiliário, sem saber se amanhã vou precisar ter 200 ou 500 colaboradores aqui? O que vou fazer para atraí-los para o escritório sem cara amarrada e perda de produtividade? Isso é o que provocou um boom na nossa demanda. Outra coisa é o custo. Como o meu negócio é montar escritório, meu custo é 40% menor que o que a empresa gastaria.
Por quê?
Tenho uma história de vida no mercado imobiliário e trabalhei em uma grande indústria de móveis de escritório. Virei um especialista em implantação de escritório. Quando fui fazer coworking, em vez de só criar um espaço bonito, eu sabia como montar uma rede de fornecedores, de pequenas empresas brasileiras de design a grandes indústrias na Ásia que são supplyers (fornecedores de componentes) de fábricas.
Hoje temos uma fábrica de escritórios. Temos um galpão alfandegário em Itajaí (SC) de 4 mil metros quadrados com todo o material. Não compro da revenda da revenda. Quebrei a cadeia inteira. Da arquitetura à equipe de engenharia, é tudo nosso. Minha fábrica é no prédio em que estou reformando.
Monto uma cadeira ali com custo 60% menor. Desenvolvemos divisórias que servem em qualquer dos nossos prédios. O piso é pensado para ser desmontado e levado para outro escritório. Consigo customizar um espaço para a Ambev, deixar com a cara dela, mas com essa característica e custo mais baixo.
Por que as empresas têm dificuldades de fazer isso?
O atual modelo do mercado de implantação de escritórios no Brasil é centenário, evoluiu muito pouco. A cadeia de valor é repleta de fornecedores distintos e cheia de interesses cruzados. O nosso modelo foi pensado exatamente para cobrir esses gaps.
Somos um modelo end-to-end, ou seja, que conecta todas as pontas, pois temos todos os fornecedores dentro de casa. Por isso, conseguimos oferecer para as empresas, que são o nosso cliente final, um custo-benefício extraordinário, se comparado ao mercado. Temos equipe de busca de imóveis, de tecnologia e um time de sete arquitetas e 12 engenheiros.
Alugam os prédios e sublocam?
Temos dois modelos. A gente vira sócio do dono do prédio ou aluga ele inteiro. E sublocamos. Esse mercado mudou muito. Antes da pandemia, a permanência média era de cinco anos. Mudou para 30 meses (dois anos e meio). Há cinco anos, não tinha robô digital que atende cliente no site, era preciso ter 500 pessoas no telemarketing. Hoje não precisa mais. Com a tecnologia, os ciclos mudam mais rapidamente. Cada vez vejo mais empresas que crescem e diminuem e crescem de novo.
Então, nos nossos prédios, a empresa pode pegar mais cinco andares por seis meses, por exemplo. No momento em que ela devolve, transformo a área em coworking até surgir outra interessada. Todo escritório que faço para empresas já é pré-montado estruturalmente para virar coworking, do ar-condicionado ao forro, passando pelo cabeamento de TI. Hoje estou com 92% de ocupação.
Mas para dar essa flexibilidade, vocês não assumem um risco grande ao alugar um prédio por 20 anos, por exemplo, e oferecer contratos de três para uma empresa neste momento em que muitos edifícios estão vazios e cresce o trabalho remoto?
Temos contratos com algumas proteções, a empresa não larga o prédio de um dia para o outro. Mas acreditamos que o escritório sempre vai ser necessário, não tenho a menor dúvida. Somos pessoas, temos necessidades psicossociais. O maior teste foi a pandemia, quando o que eu mais ouvi foi que nosso negócio ia acabar. Não acabou. Na volta, a Faria Lima (centro financeiro de São Paulo) lotou.
O corpo laboral está voltando, mas tudo vai ser híbrido. Hoje o que mais temos aqui são empresas de 80 colaboradores que montam escritórios para 30, 20 pessoas. Nossa cesta de ovos está bem distribuída. Temos hoje 9.800 estações de trabalho. Milhares são microempreendedores e pegam só uma mesa, milhares têm até quatro colaboradores, centenas têm 20 e dezenas têm mais de 50 empregados. Um sai e outro cresce, e vamos jogando com esse dinamismo.
Qual é o futuro do escritório?
Cada vez mais o escritório é para o colaborador e menos para as empresas. É o que elas estão buscando para reter talentos e fazê-los irem ao escritório participar de reuniões e se sentirem bem. É como a decisão que a gente toma na sexta à noite de jantar fora. A pessoa só sai de casa se o restaurante for legal, interessante, um lugar onde ela vê outras pessoas conversando.
E do lado das companhias, elas querem praticidade, baixo investimento e dinamismo. Poder crescer e diminuir ou mudar rapidamente. Quando uma empresa nos procura, a primeira pergunta que a gente faz é: quantas pessoas você vai ter no escritório daqui a três anos? Ninguém sabe responder, porque de fato ninguém sabe o que vai acontecer.