Arnaldo Niskier
A tecnologia da Inteligência Artificial está entrando definitivamente nos domínios da química e da física, como demonstra a premiação do Nobel deste ano. Um trio de cientistas criou um sistema para prever a estrutura proteica e projetar versões sintéticas para estudar e combater doenças. Dois deles são Demis Hassabis e John Jumper, que pertencem aos quadros do Google. Foram homenageados por terem criado um sistema capaz de prever a estrutura proteica.
Desenvolvendo um programa chamado AlphaFold, criou-se uma forma automatizada de determinar a geometria de uma molécula orgânica com milhares de átomos, a partir de sequência de aminoácidos. Além deles, entrou na premiação o cientista norte-americano David Baker, da Universidade de Washington, autor de outro sistema computacional, o RoseTTafold, capaz de projetar novas proteínas a partir de uma forma desejada, criando um código genético capaz de sintetizá-la.
A Academia Real Sueca anunciou antes outros premiados que também operam com inteligência artificial. São os físicos John Hopfield e Geoffrey Hinton, que criaram o método de “aprendizado profundo” por redes neurais. Isso provocou uma verdadeira revolução nos domínios da IA.
As proteínas são as moléculas que colocam o organismo para funcionar. Já o DNA é responsável por guardar as instruções de como produzi-las. Saber com precisão a estrutura de proteínas é fundamental para estudar mecanismos de doenças e sua interação com drogas. Por aí se pode compreender como isso é importante para a ciência universal.
Hassabi e Jumper utilizaram com sucesso a inteligência artificial para prever com sucesso a estrutura de quase todas as proteínas conhecidas. Já no caso dos dois físicos, um norte-americano e outro canadense, os estudos ganharam outra dimensão.
Procura-se criar máquinas capazes de pensar. Partiram de bases da física, com o comportamento de propriedades atômicas e da mecânica estatística. Posso recordar esses conceitos com a base adquirida no bacharelado de matemática da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, quando a física é também um direito adquirido ao lado da ciência dos números.
Pesquisa-se o funcionamento de neurônios, para produzir a cognição no cérebro humano. Os trabalhos pioneiros dos dois vencedores do Nobel começaram na década de 1980 e hoje estão envolvidos na aplicação revolucionária de IA para a interpretação de exames médicos de imagens. Esse avanço vai melhorar o atendimento médico, com a valorização da produtividade. Mas é preciso tomar certos cuidados para que as coisas não saiam dos eixos.
Podemos afirmar que as redes neurais e o aprendizado de máquinas estão hoje dentro de programas de computador que realizam tarefas como tradução de línguas (com incrível velocidade), reconhecimento facial,técnicas modernas de diagnóstico médico por imagem e — pasmem! — sistemas como ChatGPT, Gemini e Llama. Essa expansão não deixa de sofrer severas críticas, inclusive dos próprios ganhadores do Prêmio Nobel de Física.
Hospfield considera “preocupante” os recentes avanços da IA: “Se não houver controle, pode ocorrer uma catástrofe. Nos meus 91 anos de vida, fui testemunha de duas tecnologias grandemente poderosas, mas potencialmente perigosas, como a engenharia genética e a física nuclear.” Como físico, ele alerta para fenômenos que fujam ao controle, mas que precisam de limites. Está preocupado com perturbações sociais com esses avanços recentes.
Já Hinton sempre se revelou contrário ao uso da Inteligência Artificial em campos de batalha, o que ele chamava de “robôs soldados”. À medida que os estudos avançam e se aperfeiçoam, tornam-se mais perigosos, pois não se leva em consideração princípios seguros e éticos, como seria desejável.
O princípio de redes neurais pertence muito mais à biologia do que à física, mas os profissionais desse campo do conhecimento são os que foram contemplados com a premiação. Essas ideias me remetem à conferência realizada no Conselho de Notáveis da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Faço coro ao pensamento a seguir enunciado, que foi publicado no último número da revista “Carta Mensal” (nº 801): “Os sistemas atuais de educação ainda são executados no modelo fabril de educação do século 19. Todos os alunos são forçados a aprender na mesma velocidade, da mesma maneira, no mesmo lugar e ao mesmo tempo. A IA pode nos ajudar a superar essas limitações. As habilidades de percepção da IA podem adaptar o processo de aprendizagem a cada aluno e liberar os professores para ter tempo de instrução individual”.
*Membro da Academia Brasieira d Letras e doutor honoris causa da Universidade Santa Úrsula
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