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O acordo entre Mercosul e União Europeia terá impactos predominantemente positivos sobre a economia brasileira e o bolso do consumidor, caso seja de fato implementado, afirmam economistas e o governo brasileiro.

Os dois blocos anunciaram nesta sexta-feira (6/12), em Montevidéu (Uruguai), que chegaram a um acordo técnico, após 25 anos de negociação.

No entanto, ainda faltam etapas importantes para que o tratado seja assinado e entre em vigor, como a aprovação por duas instâncias que reúnem representantes dos países da União Europeia: o Conselho de Ministros e o Parlamento Europeu, sediados em Bruxelas, capital da Bélgica.

E a França — principal opositora da ideia devido ao receio do setor agropecuário francês com a entrada maior de produtos Mercosul — tenta barrar a aprovação articulando com outras nações que têm ressalvas ao tratado, como Polônia, Itália, Países Baixos e Áustria.

O acordo prevê a redução de tarifas de importação, que pode ser imediata ou gradual (em até 15 anos), a depender dos setores. Essa liberação vai atingir 91% dos bens que o Brasil importa da União Europeia e, do outro lado, 95% dos bens que o bloco europeu importa do Brasil.

Caso entre em vigor, o acordo vai alavancar alguns setores brasileiros (principalmente o agronegócio) e pode prejudicar outros, mas governo e economistas têm uma visão otimista sobre o saldo desse impacto para o crescimento do país.

Além disso, pode beneficiar o consumidor, com o potencial barateamento de produtos importados, como azeites, queijos, vinhos e frutas de clima temperado (frutas secas, peras, maçãs, pêssegos, cerejas e kiwis) — esse impacto, porém, vai ser gradual e pode ser compensando por outros fatores que afetam os preços dos produtos, como a taxa de câmbio, ressalta o economista Felippe Serigatti, pesquisador da FGV Agro.

Fernando Ribeiro, coordenador de estudos de comércio internacional do Ipea, também destaca bebidas e laticínios como itens que devem chegar a preços menores no Brasil.

“Talvez também tenha impacto no preço dos automóveis, dado que é esperado um potencial de aumento de importações nesse setor, mas vai depender da estratégia das montadoras [europeias com presença no Brasil]”, disse ainda.

Mas Ribeiro ressalta que o principal impacto nos preços do consumidor será indireto, ao deixar a produção brasileira mais barata, devido à importação de máquinas e insumos a preços menores.

“E quando a gente vê os produtos cuja importação mais cresce [nas simulações sobre o impacto do acordo], são exatamente máquinas, equipamentos elétricos e outros itens usados como insumos para produção industrial”, reforça.

Apesar de trocarem elogios, Emmanuel Macron e Lula estão em lados opostos quando o assunto é o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. O francês é contra e o brasileiro é a favor

Agronegócio é o maior beneficiado

Um estudo divulgado no início deste ano pelo Ipea, com participação de Fernando Ribeiro, estimou que a economia brasileira teria um aumento acumulado de 0,46% entre 2024 e 2040, o equivalente a US$ 9,3 bilhões por ano, caso o acordo estivesse em vigor, refletindo o aumento das trocas comerciais e da entrada de investimentos.

Segundo esse estudo, haverá ganhos de produção em quase todos os setores do agronegócio e perdas concentradas em alguns setores industriais.

Com isso, os ganhos acumulados de produção no agronegócio seriam da ordem de US$ 11 bilhões, até 2040, enquanto o saldo da indústria da transformação seria mais modesto, com ganho de US$ 500 milhões no mesmo período.

Os destaques positivos no campo ficam por conta de “carnes de suíno e aves; outros produtos alimentares (que inclui basicamente pescado e preparações alimentícias); óleos e gorduras vegetais; e pecuária (gado em pé)”.

Já na indústria, há projeção de quedas em setores como veículos e peças, têxteis, farmacêuticos e equipamentos eletrônicos, mas que seriam compensadas com o crescimento de outros setores, como calçados e artefatos de couro, celulose e papel, e outros equipamentos de transporte (tudo que não é automotivo, como aviões e navios).

“O saldo esperado é positivo. Quando analisamos, por exemplo, os setores que tendem a ter alguma perda de produção ou de emprego, são poucos setores e são setores que, em geral, não são grandes geradores de empregos, como o produtor de máquinas”, exemplifica Ribeiro.

Acordo tem proteções para setores vulneráveis

Segundo o economista Fernando Sarti, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o acordo negociado agora pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva tem mais vantagens para o Brasil do que o anunciado em 2019, com salvaguardas que limitam os impactos negativos em setores que a Europa é mais forte, como indústria automotiva e farmacêutica.

“Não tenho dúvida alguma de que o saldo é positivo para o Brasil”, disse Sarti.

Em 2019, início do governo de Jair Bolsonaro, os dois blocos chegaram a anunciar um acordo, mas depois houve um congelamento das etapas finais de aprovação, em meio à piora das relações do Brasil com potências europeias.

Na ocasião, a expansão do desmatamento e o enfraquecimento das políticas ambientais aumentaram às resistências na União Europeia ao Acordo, nota o professor.

Isso acabou permitindo ao Brasil negociar novamente alguns pontos, ressalta, como incluir no acordo que as compras governamentais continuem favorecendo itens produzidos no país, seja por empresas brasileiras ou multinacionais.

A mudança, exemplifica, vai permitir que as compras licitadas para o Sistema Único de Saúde (SUS) permitam pagar mais por itens fabricados internamente, estimulando investimentos das empresas europeias para produzir aqui.

“Então, será possível usar o poder de compra do Estado para estimular esse setor. Hoje, nós não estamos falando só de remédio. Estamos falando de ti [tecnologia da informação], que está dentro da área da saúde. Nós estamos falando de equipamentos cada vez mais sofisticados”, destaca.

Da mesma forma, pontua o economista, há salvaguardas no acordo para evitar uma enxurrada de importações no setor automotivo e estimular investimentos para a produção no Brasil.

Segundo o acordo, caso o aumento de importações afete a produção e o emprego na indústria de automóveis, o Brasil poderá suspender a gradual redução de tarifas prevista para as compras da Europa, ou mesmo retomar a alíquota aplicada a países de fora do acordo (hoje em 35%).

Para Sarti, a Europa aceitou essas condições para fazer frente à crescente presença chinesa no mercado automotivo brasileiro, setor que historicamente tem forte atuação de multinacionais europeias, como Fiat e Volkswagen.

Produtos europeus vão substituir outras importações, diz Ipea

Segundo o estudo do Ipea, haverá crescimento importante da importação de produtos europeus no Brasil, mas a projeção é que a maior parte vai substituir artigos que importamos de outras regiões do mundo, como China.

Com isso, a instituição projeta que o impacto geral do acordo para a balança comercial brasileira ficaria próximo do zero a zero, ao considerar os efeitos acumulados entre 2024 e 2040.

“As exportações do Brasil para a União Europeia teriam aumento da ordem de US$ 10 bilhões, compensada por reduções modestas nas vendas para os demais países do Mercosul e o resto do mundo – ou seja, um desvio pouco significativo em termos absolutos”, diz o estudo.

“O que não ocorreria do lado das importações: o crescimento de US$ 31,7 bilhões das compras brasileiras oriundas da União Europeia seria, em sua maior parte, compensado pela redução de US$ 21,1 bilhões das importações originárias do resto do mundo, além de uma queda de US$ 869 milhões das importações provenientes dos parceiros do Mercosul. Ou seja, cerca de dois terços do ganho com a União Europeia se daria em prejuízo de outros países”, diz ainda o estudo do Ipea.

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