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Wilson Tivelli*; Warley Nascimento**

A atividade agrícola realizada dentro de regiões metropolitanas e seus subúrbios, seja para a produção de alimentos para o próprio consumo seja para comercialização, é denominada de agricultura urbana e periurbana. Nesses espaços, o incentivo institucional e privado à criação de hortas alternativas, voltadas para a educação ambiental, à terapia ocupacional e aos cultivos não alimentares, tem sido de suma importância. Nesse contexto, também se enquadra o incentivo ao empreendedorismo em horticultura e culinária, a criação de oportunidades de contato entre as pessoas, inserção social, desenvolvimento de cidadania e manuseio sustentável dos bens disponíveis nas cidades, e, claro, a ocupação racional, articulada com autoridades públicas, de espaços urbanos ociosos ou subutilizados.

Recentemente, o Brasil passou a ter uma Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana (Pnaup), regida pela Lei nº 14.935, de 26 de julho de 2024. Ao instituir a Pnaup, o governo federal se alinha a um movimento que vem ocorrendo nos estados e municípios brasileiros há décadas, mas que, a cada dia, ganha maior importância no cenário mundial. A Pnaup surge para consolidar as experiências municipais e estaduais e compartilhar objetivos nobres e ambiciosos sobre o tema que incluem: 1) ampliar a segurança alimentar e nutricional das populações urbanas vulneráveis; 2) propiciar a ocupação de espaços urbanos e periurbanos livres, ociosos e subutilizados; 3) ofertar alternativa de renda e de atividade ocupacional à população urbana e periurbana; 4) articular a produção de alimentos nas cidades com os programas de abastecimento e compras públicas para alimentação em escolas, creches, hospitais, asilos, equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional, estabelecimentos penais e outros; 5) estimular o trabalho familiar, de cooperativas, de associações e de organizações da economia popular e solidária voltado para a agricultura urbana e periurbana; 6) promover a educação ambiental e a produção agroecológica e orgânica de alimentos nas cidades; e 7) difundir a reciclagem e o uso de resíduos orgânicos, de águas residuais e de águas pluviais na agricultura urbana e periurbana.

O sétimo objetivo da Pnaup toca em um ponto crucial em tempos de mudanças climáticas que é o manejo adequado da água utilizada para a irrigação das hortas. De fato, diversas comunidades não estão suportando mais o uso compartilhado da água potável da rede pública de abastecimento para irrigação de hortas urbanas. Águas residuais e ou águas da chuva coletadas e armazenadas podem (e devem) ser utilizadas na irrigação das hortas urbanas e periurbanas.

Invariavelmente, as hortas urbanas que buscam mitigar a insegurança alimentar e gerar renda plantam hortaliças folhosas, como alface, couve, rúcula, salsinha etc. Essas espécies são exigentes em água e, por isso, necessitam ser irrigadas diariamente. Portanto, repensar o tipo de hortaliça que podemos e devemos cultivar é fundamental para otimizar qualquer programa público. Nesse sentido, as hortaliças Plantas Alimentícias não Convencionais (PANC) aparecem com uma opção atrativa, pois exigem menos água, são mais rústicas, de fácil cultivo e mais resilientes aos estresses bióticos e abióticos. Esse grupo de hortaliças, tais como beldroega, ora-pro-nóbis, caruru e taioba, tradicionalmente consumido pelos nossos antepassados, apresentam como vantagem adicional o elevado valor nutritivo. (https://www.embrapa.br/inteligencia-estrategica-para-pequenos-negocios/plantas-alimenticias-nao-convencionais-pancs).

Os gestores públicos precisam também estar atentos a possíveis contaminações do solo e do ar ocasionados pela agricultura urbana. Por exemplo, uma área com restos de construção pode representar um risco para a produção de alimentos, uma vez que há possibilidade de haver metais pesados além dos limites aceitos. Além disso, em municípios industrializados ou com uma alta população, a poluição atmosférica precisa ser também considerada. Ainda, uma horta próxima à população deve ser implementada seguindo preceitos mais sustentáveis, com um mínimo de utilização de produtos químicos (agrotóxicos etc.), minimizando, assim, possíveis contaminações, não somente nas pessoas envolvidas, mas também na vizinhança e, claro, nos consumidores das hortaliças.

O cenário contemporâneo da agricultura urbana e periurbana é extremamente positivo. Já são inúmeras as experiências com estas hortas, sendo difundidas por centenas de municípios brasileiros. Apesar dos percalços, muitas dessas experiências são exitosas, alcançando os benefícios preconizados na Pnaup. Espera-se que a regulamentação dessa importante política pública ajude a garantir segurança alimentar, econômica e social das pessoas envolvidas, valorizando a formação de hábitos e costumes saudáveis, e contribuindo ainda mais para a sustentabilidade ambiental e a coesão social nas cidades.

* Pesquisador científico da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA)

** Presidente da Associação Brasileira de Horticultura e chefe-geral da Embrapa Hortaliças

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