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Em pouco mais de três meses, uma guerra iniciada como roteiro de filme de espionagem e a derrocada de um regime despótico provocaram um terremoto geopolítico no Oriente Médio. Como resultado, as placas tectônicas da influência regional se reacomodaram. O ano de 2024 terá sabor amargo para o Irã e seus principais aliados por procuração na área, como o movimento fundamentalista xiita libanês Hezbollah, os rebeldes separatistas huthis do Iêmen e o antigo governo da Síria — mais precisamente para o ex-ditador Bashar Al-Assad. Israel, por sua vez, deve sair fortalecido como a principal potência militar da região.

As mudanças começaram com uma operação de inteligência sem precedentes que levou à explosão de milhares de pagers e walkie-talkies de militantes do Hezbollah. O primeiro golpe foi seguido por bombardeios da aviação israelense e uma incursão terrestre das Forças de Defesa de Israel (IDF), que debilitaram ainda mais o grupo patrocinado pelo Irã. Em 27 de setembro, um dos ataques aéreos matou o xeque Hassan Nasrallah, líder máximo do Hezbollah. Em 8 de dezembro, rebeldes do grupo Hayat Tahrir Al-Sham (HTS) invadiram Damasco, após uma operação-relâmpago, e forçaram a fuga de Al-Assad. Em 2024, Israel foi atacado duas vezes com centenas de mísseis e contra-atacou o Irã, ao alvejar suas instalações de defesa.

A pedido do Correio, especialistas analisaram os impactos das transformações na região no último trimestre de 2024. “O Oriente Médio sofreu três grandes mudanças. Em primeiro lugar, houve a perda, por parte do Irã, de um importante pilar de sua dissuasão estratégica contra atos hostis dos Estados Unidos e de Israel, devido à degradação do seu chamado ‘Eixo de Resistência'”, explicou Yezid Sayigh, especialista do Carnegie Middle East Center, em Beirute. “A queda de Al-Assad interrompe suas rotas de suprimento para o Hezbollah, no Líbano, e representa a perda de assistência e de empréstimos valor de US$ 30 bilhões à Síria nos últimos 40 anos.”

De acordo com Sayigh, esse cenário reforça a importância da opção nuclear como único alternativa restante de dissuasão estratégica para o Irã. “Em segundo lugar, cito a óbvia ascensão de Israel como superpotência regional, graças à tecnologia avançada e à superioridade militar demonstrada na Faixa de Gaza e no Líbano, desde 7 de outubro de 2023, e à sua afirmação de total liberdade de ação na Síria”, lembrou. Depois da queda do regime de Al-Assad, Israel pulverizou boa parte da estrutura militar síria.

Sayigh também cita a Turquia, que se tornou o maior ator poderoso na Síria e adquiriu enorme importância e influência como força intermeditária para a Rússia e âncora da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no flanco oriental. “O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, terá ganhos internos, à medida que os refugiados sírios deixarem a Turquia e retornarem para o seu país”, previu o libanês.

Professor de relações internacionais da Universidade de Nova York e especialista em Oriente Médio, Alon Ben-Meir disse não ter dúvidas de que a degradação do Hezbollah — a decapitação do movimento, com a eliminação de suas principais lideranças — e a quase destruição do grupo terrorista palestino Hamas mudaram a dinâmica dos vários conflitos no Oriente Médio. “Como o Irã era o principal apoiador do Hezbollah e do Hamas, ele emergiu como o principal derrotado. A revolução na Síria e a razão pela qual os rebeldes do HTS agiram agora foram precipitadas, em parte, pelo fato de que nem o Irã, nem o Hezbollah, nem a Rússia (envolvida com a guerra na Ucrânia) poderiam se mobilizar para socorrer Al-Assad”, acrescentou.

Ainda segundo Ben-Meir, as implicações de toda a dinâmica no Oriente Médio precisam ser avaliadas. “Uma coisa me parece clara: o status quo existente antes de os rebeldes sírios tomarem os poder na Síria permanentemente se modificou. Uma nova dinâmica regional surgirá, talvez para melhor”, previu.

Historiador e professor da Universidade de Boston, Arash Azizi concorda que o ataque de Israel ao Eixo da Resistência do Irã modificou substancialmente o balanço de poder no Oriente Médio. “Foi um fator que permitiu aos insurgentes, apoiados pela Turquia, finalmente serem capazes de derrubar Al-Assad”, observou. Ele destacou que o processo dwe transformação segue em andamente, com ataques aéreos israelenses à infra-estrutura do Iêmen, onde os rebeldes separatistas huthis, aliados do Irã, dominam grande parte do país. “Israel também tem ameaçado a Turquia. Toda essa dinâmica provavelmente empurrará o Irã a deter seu projeto imperial regional para se concentrar nos próprios assuntos — um processo que já estava em curso. Como será preenchido o vácuo deixado pelo Eixo de Resistência ainda é uma questão em aberto”, comentou.

Azizi lembrou que o novo regime na Síria abertamente diz que não quer lutar contra Israel e prometeu não permitir ao Hezbollah e ao Irã usarem seu território. “Israel tem utilizado o caso da guerra para se mover pelo território sírio e violar o acordo firmado em 1974 com Damasco, um ato condenado por Turquia, Emirados Árabes Unidos, Egito e Arábia Saudita.

Segundo Azizi, Abu Muhammed Al-Jawlani, líder dos rebeldes do HTS, tem demonstrado visão e paciência, ao deixar claro que o povo sírio está farto de 13 anos de guerra civil e não deseja travar um conflito com os israelenses. “Infelizmente, o governo de Israel tem agido como incendiário, bombardeando em qualquer lugar e não mostrando muita visão ou perspicácia estratégica.”

Ben-Meir não acredita que o novo regime sírio representará uma grave ameaça para Israel. Ele explicou que os rebeldes sírios presenciaram o que ocorreu ao Hamas e ao Hezbollah. “O HTS sabe que não é páreo para Israel e, além disso, pretende se concentrar em curar a nação depois de 14 anos de regime brutal de Bashar Al-Assad”, afirmou.

O professor da Universidade de Nova York aposta que o novo regime da Síria não está disposto a reorganizar uma nova frente jihadista para ameaçar Israel. “O governo israelense tem tomado medidas para impedir que isso ocorra. De fato, o governo de Benjamin Netanyahu estendeu as mãos para o novo governo sírio, expressando o desejo de cooperar, enquanto a nova liderança síria não instigar a violência contra Israel, direta ou indiretamente.” Em 2025, todas as atenções devem se voltar para a Síria, a Turquia e o Irã. Além da aposta de uma trégua funcional na Faixa de Gaza.

“É extremamente improvável que um governo islâmico fanático surja na Síria. A verdade é que nenhum outro governo no Oriente Médio é tão sectário, brutal e sem lei quanto o regime de Al-Assad, exceto o de Israel nas garras da extrema direita, da qual o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu faz parte.”

Yezid Sayigh, especialista do Carnegie Middle East Center (em Beirute)

“A política do Irã de apoiar as milícias do eixo, como forma de ‘defesa avançada’, fracassou feio. Dada a miríade de problemas enfrentados por Teerã, o regime teocrático islâmico terá que se voltar para dentro e interromper sua ambiciosa política regional.”

Arash Azizi, historiador e professor da Universidade de Boston

“O Irã emergiu como o maior perdedor ante as recentes transformações no Oriente Médio. Ele perdeu muito, se não tudo, de sua influência na Síria. Além disso, será quase impossível para Teerã canalizar armas para o Hezbollah, por meio da Síria. Não bastasse isso, Israel degradou severamente o Hezbollah como uma força a ser considerada.”

Alon Ben-Meir. professor de relações internacionais da Universidade de Nova York

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