Era início de 2017 quando Ana Carolina Fonseca, de 34 anos, que já trabalhou com auditoria médica, juntou-se às amigas Elane Oliveira Azevedo, de 49, e Tatiana Cristina dos Santos, de 47, para criar o Job das Meninas. O grupo, que fez uma breve interrupção durante a pandemia, oferece serviços que vão da pintura residencial a trabalhos com eletricidade e hidráulica, num mercado predominantemente masculino. A clientela é formada basicamente por mulheres, filão escolhido também como uma forma de tentar vencer a barreira do preconceito e da discriminação encontrada por essas profissionais numa área dominada pelos homens.
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—A ideia é que o trabalho seja destinado às mulheres, até mesmo por conta de situações constrangedoras, como assédio, com relação a serviços que homens prestam. Aí, pensamos em algo que fosse de mulher para mulher, embora não seja exclusivo. Nosso público alvo são mães solo ou mulheres que moram sozinhas que têm medo de receber homens para fazer esses trabalhos na casa delas. A receptividade tem sido muito boa— aponta a pintora de paredes Ana Carolina, que já está acostumada aos olhares de desconfiança quando entra nas lojas de materiais de construção e perguntam se a lista de pedidos foi feita por algum profissional masculino. O mesmo acontece na hora da entrega, nas obras.
Ana e Elane relatam dificuldades e preconceitos na profissão — Foto: Fabio Rossi/Agência O Globo
Quando precisou pintar um dos cômodos e fazer reparos na instalação de um ventilador de teto, no seu apartamento no Flamengo, na Zona Sul do Rio, a representante comercial Solange Dias de Moraes, de 47 anos, optou por contratar uma pintora e uma eletricista. Ela conta que, por ser separada e morar sozinha, se sentira mais confortável com a presença feminina circulando pela casa. E ao contratar os serviços de Ana Carolina e Elane, ajudar a fortalecer o trabalho delas, além de se sentir mais segura.
—A mulher é mais detalhista e cuidadosa. Além de fortalecer a independência delas, acredito que são capazes de fazer qualquer coisa — diz a representante comercial.
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Ana e as amigas do Job das Meninas não estão sozinhas na exploração desse nicho. Rita Aranha, de 60, está à frente do Batom na Obra, um dos grupos mais antigos, com atuação no marcado há mais de duas décadas. Geisa Garibaldi, de 40, desde 2015 lidera a Concreto rosa, que foca no em serviços de reforma residencial e comercial, pintura, hidráulica, elétrica e instalação de ar condicionado.
—Antigamente havia mais resistência (ao trabalho feminino na construção civil). Hoje a aceitação é maior mais ainda existe preconceito — afirma Rita, que resolveu entrar nesse mercado da construção civil após sair de um emprego de desenhista de artes gráficas, sem perspectiva profissional e com dois filhos pequenos para criar.
Rita Aranha, de batom na obra: desafio de ser mulher num mercado masculino — Foto: Reprodução das redes sociais
Tatiana, do Job das Meninas, conta que sempre gostou de obras, mas só entrou no mercado em 2007, após fazer um curso de pedreira no projeto Mão na Massa, voltado para mulheres. Uma de suas primeiras experiências no ramo foi dois anos depois na reforma do Maracanã.
Atualmente ela é mestre de obras e, como encarregada, chegou a chefiar equipes composta apenas por homens, num dos momentos mais difíceis de sua vida profissional, quando enfrentou resistência para ver suas ordens serem acatadas nos canteiros. Ela conta que até se impor no mercado enfrentou muitas dificuldades
— No começo não levavam muita fé (no trabalho dela). Iam observar para ver estava fazendo o trabalho corretamente e tentaram até um teste de resistência, me colocando em lugares difíceis de trabalhar, para ver se eu desistia— relatou a moradora do Jardim Alcântara, em São Gonçalo, acrescentando que a falta de banheiro e vestiário feminino nos canteiros de obra são justificativas usadas, muitas vezes, para dificultar a contratação de mulheres.
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Elane, moradora em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, trabalha há 16 anos como eletricista. Ela resolveu abraçar a profissão ao perceber que apenas com o certificado do ensino médio só surgiam ofertas de trabalho para ganhar salário mínimo. Foi quando resolveu fazer o curso profissionalizante na unidade do Senai, em Duque de Caxias, onde era a única mulher da turma.
—A visão das pessoas não mudou totalmente. Ninguém mais se espanta (em ver uma mulher na construção civil) porque tem algumas já fazendo isso e é divulgado, mas ainda existe preconceito. Mas, creio que daqui a pouco vai ser normalizado — acredita.
Dados do IBGE mostram que enquanto há mais de 7 milhões de homens ocupando postos na construção civil, em todo o país, as mulheres são apenas 306 mil. De acordo com números do Sebrae, das 964,3 mil mulheres empreendedoras no estado (num total de 2,5 milhão, incluindo os homens) , apenas 1% optam pelo ramo da construção.
Nos bancos escolares, em cursos que formam mão de obra para o setor a presença feminina também ainda é pequena. Nas turmas de marcenaria, encanador, pintura predial e eletricista da unidade da unidade da Faetec, em Magé, dos 135 alunos, apenas 26 são mulheres.
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