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Pense em uma rua movimentada durante horário de pico, na qual há carros buzinando, pedestres apressados e anúncios piscando. É impressionante que alguém consiga manter o foco em meio a todo o tumulto. Um novo estudo realizado por pesquisadores da Brown University, nos Estados Unidos, oferece uma visão aprofundada dos mecanismos cerebrais que permitem às pessoas concentrarem-se em meio a essa agitação, além de explorar as consequências quando a concentração falha.

Em uma pesquisa anterior, foi estabelecido que as pessoas conseguem controlar separadamente o nível de concentração, melhorando a percepção de informações relevantes, e o filtro de distrações. O novo estudo, publicado na revista Nature Human Behavior, revela o processo pelo qual o cérebro coordena essas duas funções vitais.

O autor principal e neurocientista Harrison Ritz comparou esse processo à maneira como os humanos coordenam a atividade muscular para realizar tarefas físicas complexas. “Pense nessa pesquisa como malabarismo: temos músculos trabalhando juntos para coordenar nossas ações. Talvez nossos cérebros tenham uma flexibilidade semelhante. Esse estudo mostra como podemos mudar várias maneiras de pensar, o que é um primeiro passo para entender a destreza cognitiva”, detalhou.

Para conduzir o estudo, Ritz submeteu os participantes a uma tarefa cognitiva enquanto monitorava a atividade cerebral usando ressonância magnética funcional. Os voluntários foram expostos a pontos verdes e roxos em movimento, e tinham que distinguir entre o movimento e as cores dos pontos. Por exemplo, em uma tarefa, eles deveriam identificar a cor predominante dos pontos em rápida movimentação, quando a proporção de roxo para verde era quase igual.

A equipe avaliou então a atividade cerebral dos participantes em resposta a essas tarefas. “Podemos pensar no sulco intraparietal como tendo dois botões em um rádio: um ajusta o foco e o outro ajusta o filtro”, explicou Ritz. “Em nosso estudo, o córtex cingulado anterior monitora a situação dos pontos. Quando reconhece que o movimento está dificultando a tarefa, ele direciona o sulco intraparietal para ajustar o filtro, reduzindo a sensibilidade ao movimento.”

Conforme os cientistas, em situações em que a proporção de pontos roxos e verdes é quase igual, se pode direcionar o sulco intraparietal para ajustar o botão de foco, aumentando a sensibilidade à cor. Assim, regiões cerebrais relevantes se tornam menos sensíveis ao movimento e mais sensíveis à cor correta, permitindo que o participante faça a escolha certa.

“Quando as pessoas falam sobre as limitações mentais, muitas vezes o fazem em termos de ‘os humanos simplesmente não têm capacidade mental’ ou ‘os humanos não têm poder de processamento mental’, observou Ritz. “Essas descobertas apoiam uma perspectiva diferente sobre por que não estamos sempre focados. Não é que nossos cérebros sejam simples demais, mas sim que são incrivelmente complexos e é a coordenação que representa o desafio.”

Luiz Borba, neurocirurgião, professor adjunto de neurocirurgia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e chefe do serviço de Neurocirurgia do Hospital de clínicas da UFPR, narra que trabalhos como esse têm sido comuns na neurociência. “Quanto mais se estuda, mais tecnologia tem, mais se entende o funcionamento do cérebro. Antigamente, a gente achava que havia áreas específicas, área da fala, área motora, área visual, área da sensibilidade, com o tempo vimos que, na realidade, é um grupo de conexões, os conectomas.”

Segundo o especialista, existe um fator específico relacionado ao foco e à atenção, é o aspecto social e psicológico de estar inserido em uma sociedade agitada. “As pessoas com várias atividades ao mesmo tempo, perdem o foco na realização de algo. A gente vê muitas pessoas com grande capacidade, que perdem completamente o foco. São fatores externos que fazem com que a pessoa perca o foco em determinadas ações.”

Projetos de pesquisa são desenvolvidos com base nessas descobertas. Uma colaboração de médicos e cientistas da Brown University e do Baylor College of Medicine está investigando estratégias de foco e filtro em pacientes com depressão resistente a tratamento. Enquanto isso, os estudiosos do laboratório de Shenhav estão explorando como a motivação influencia a atenção. Um trabalho coliderado por Ritz e pelo doutorando Xiamin Leng, da Brown, está examinando o impacto de recompensas e penalidades financeiras nas estratégias de foco e filtro.

Para Acioly Luiz Tavares de Lacerda, psiquiatra, pesquisador e porta-voz científico da LifeTime, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e professor visitante da Universidade de Pittsburgh, o principal impacto da publicação é na destinação de esforços para pesquisas que buscam criar terapêuticas.

“Abordagens com mecanismos de ação ligados à fisiopatologia das manifestações clínicas, como transtornos de aprendizado, déficit de atenção e hiperatividade. Nas últimas décadas, por exemplo, tem se estabelecido o tratamento de déficits cognitivos em doenças neurológicas com técnicas de reabilitação cognitiva, baseadas na execução de tarefas de atenção, concentração, memória e outras funções cognitivas”, afirma Lacerda.

1. Criar ambientes de aprendizagem estimulantes. Combinar recursos visuais, auditivos e cinestésicos para estimular as diferentes áreas cerebrais relacionadas à atenção. Variar as atividades, alternar entre ações curtas e dinâmicas para evitar a monotonia e manter o foco.

2. Personalizar o ensino. Oferecer diferentes níveis de dificuldade, as atividades devem ser desafiadoras para manter o interesse, mas não devem causar frustração. Utilizar tecnologias de apoio, softwares e ferramentas digitais podem ajudar na atenção e organização.

3. Reduzir distrações. Minimizar o ruído e as interrupções, criar um ambiente de aprendizagem tranquilo e livre de distrações. Estabelecer regras claras e consistentes, definir expectativas e comportamentos adequados para o ambiente.

4. Desenvolver estratégias de autogerenciamento. Usar técnicas de organização e planejamento. Treinar habilidades de foco e atenção com técnicas de mindfulness e respiração. Identificar gatilhos de distração e desenvolver estratégias para lidar com eles.

Fonte: Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues, PhD em neurociências, membro da Society for Neuroscience, nos Estados Unidos e mestre em psicologia.

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