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Samuel, de 20 anos, dará seu primeiro voto a Joe Biden, em Ohio, mas “sem empolgação”. Kevin, 26, entregador de aplicativo, fará em uma zona rural da Pensilvânia uma “declaração antielite”, cravando Donald Trump. Nikki, 41, que não marca “X” em um candidato à Presidência “desde Barack Obama”, ficará em casa, em Pittsburgh, na decisiva Pensilvânia. Se seguisse o coração, Melissa, 45, escolheria na Virgínia o acadêmico Cornell West, independente, mas deve ir de Biden, “por receio de retrocesso na saúde e direitos das mulheres”. E Gregory, 29, no também crucial Wisconsin, cravará seu próprio nome na cédula. Justifica assim a anulação: “não confio em mais ninguém”.

Todos aproveitavam o raro dia de temperatura amena (17°C) nas ruas do The Strip, bairro da segunda maior cidade da Pensilvânia, no fim de semana anterior à Super Terça-Feira. Durante o recesso escolar de inverno, o bairro é ocupado democraticamente por turistas de diversos endereços da América Profunda. Hoje, 15 estados, entre eles os ricos em delegados Califórnia e Texas, e o território da Samoa Americana, realizam suas prévias para a presidência dos EUA, avançando decisivamente a contagem de apoio rumo às convenções dos dois partidos majoritários. Ao GLOBO, entre uma degustação de uísque artesanal na Wigle e uma sobremesa na premiada Peace, Love and Little Donut, eleitores de diversas matizes ideológicas concordavam em ao menos um tópico: gostariam de poder votar em um candidato mais jovem do que Joe Biden, 81 anos, e Donald Trump, 77.

— Os dois são homens brancos e mais velhos, poderiam ter sido colegas de escola há mais de meio século. Queria votar em alguém mais jovem e que representasse o dinamismo e a diversidade do país — diz Samuel Garcia, 20 anos, filho de imigrantes venezuelanos.

O desejo do universitário, apontam as pesquisas, ficará ainda mais improvável após os resultados desta terça-feira. Se confirmados, o presidente e seu antecessor terminarão o dia muito próximos de confirmarem a repetição da disputa de quatro anos atrás.

A derradeira adversária interna de Trump, a ex-governadora da Carolina do Sul Nikki Haley, deve anunciar nesta ou na próxima semana sua saída da disputa. Em entrevista ao programa “Meet the press”, da NBC, neste fim de semana, a ex-embaixadora dos EUA na ONU, duramente criticada nas prévias pelo ex-presidente (“Eu a conheço bem, ela trabalhou para mim. É uma pessoa apenas mediana”), não se comprometeu a apoiá-lo.

Já Biden, que não tem concorrentes com real possibilidade de desafiá-lo no flanco democrata, sofre com a percepção da maioria do eleitorado, mostram as mesmas pesquisas, de não ter mais disposição e acuidade mental para seguir na Casa Branca. Na quinta-feira, seu discurso do Estado da União, dizem reservadamente fontes da campanha de reeleição, pode deslanchar o que qualificam de “virada na campanha”. Além de bater na tecla de que a economia está em pleno vapor, com recorde de emprego e inflação controlada, há a possibilidade de o presidente anunciar uma ação executiva endurecendo a política de imigração do país. O tema, após recorde de entrada de estrangeiros não documentados pela fronteira com o México no ano passado, virou tema central do pleito.

— Parece que estamos numa série de TV distópica e não na Super Terça-Feira, quando um dos candidatos liga sem provas o aumento de criminalidade nas cidades americanas aos imigrantes. E sequer nega ter traído a pátria e atentar contra a democracia, mas pede anistia. E como é que a Suprema Corte considera normal atrasar o julgamento sobre essa tal imunidade? — questiona Gregory George.

Ele, que desafia os números propagados pela Casa Branca e segue em busca de emprego, votará em si mesmo, no Wisconsin, crucial para o pleito.

— Se o cidadão Donald, deste jeito, pode ser candidato, então eu também. Dou, assim, uma banana para a falácia da democracia americana — dispara.

Trump chega à Super Terça-Feira embalado por uma série de boas notícias. No sábado, pesquisa do New York Times/Universidade Siena trouxe o republicano com cinco pontos de vantagem sobre Biden. Na Justiça, a Suprema Corte jogou por terra na segunda-feira a possibilidade de estados retirarem o nome do ex-presidente das cédulas em novembro. E adiou a decisão do pedido de imunidade presidencial de Trump em relação aos atos relacionados à tentativa de reverter o resultado das urnas em 2020. Também na segunda, Trump celebrou as vitórias e disse ser vítima de perseguição da Casa Branca e de “juízes fora de controle”.

— A perseguição a ele é mais uma razão para eu repetir o voto que cravo desde 2016, embora me preocupe cada vez mais com a falta de alternativas no futuro para a briga contra esse pessoal que só quer financiar, com meus impostos, quem vive dos programas sociais — diz Kevin Perr, que mora na zona rural de Pittsburgh.

O entregador de aplicativo conta que queria cursar Administração, mas jamais conseguiria pagar a mensalidade. Não há sistema público gratuito de educação superior nos EUA. Ao GLOBO, Lydia Coyen, de 58 anos, que também vive em área rural na Pensilvânia, disse pensar como Perr. E que também vai votar em Trump, mas, essencialmente, “por ele não ser Biden”:

— Está tudo horrível, a economia, a fronteira, o preço dos alimentos, o aumento da violência. Há quatro anos minha vida era melhor. Acreditei que depois da pandemia de Covid-19 as coisas iam entrar nos eixos, mas com Biden, só pioraram — conta.

As críticas ao presidente não vêm somente da direita. Nas ruas do The Strip, cerca de 500 pessoas marcham contra o apoio da Casa Branca a Israel no conflito em Gaza. Entre os gritos de protesto, “Enquanto vocês fazem suas compras, bombas caem sobre mulheres e crianças na Palestina”. O bairro de Pittsburgh ilustra a reinvenção nas últimas décadas da cidade, com prédios industriais transformados em restaurantes, butiques, destilarias, galerias de arte e retrofitados escritórios de empresas de robótica e tecnologia. No processo, tornou-se uma das cidades que mais penderam para a esquerda desde a vitória de Trump em 2016.

— A Casa Branca tem as mãos sujas de sangue em Gaza. Não há diferença entre republicanos e os democratas de Washington. Democracia com dois partidos é uma brincadeira, e só vou para o play agora com a minha filha — diz a dona de casa Nikki Kim, que participou da manifestação e não irá votar em novembro.

Eleitora na Virgínia, onde Biden venceu Trump por pouco menos de 10 pontos percentuais em 2020, Melissa Rebholz, de 45 anos, não discorda que “Biden foi menos progressista do que precisamos”. Mas a dona de empresa de catering e de um carrinho gourmet de cachorro-quente, formada em Culinária, deve “tapar o nariz” e votar pela reeleição.

— Hoje ficará ainda mais claro que a disputa será mesmo entre Biden e Trump. E sei que, infelizmente, ficará arriscado votar em um candidato mais à esquerda. Tenho mais e mais conhecidas endividadas pela inexistência de saúde universal pública e essa será a medida de meu voto no “seu Joe”, o menos pior — conta.

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