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Pedir segunda via do IPTU ou a poda de uma árvore na rua pode ser uma tarefa difícil em muitas cidades, assim como agendar consultas no hospital municipal ou matricular um filho na escola. Afinal, as prefeituras historicamente não são conhecidas pela agilidade e o uso de tecnologia.

Mas graças às promessas da inteligência artificial (IA) isso está mudando. Em algumas cidades, ela está ajudando a facilitar o acesso a serviços públicos, às vezes com soluções ao alcance de um clique.

Apesar de o uso da tecnologia ainda ser baixo entre os mais de 5 mil municípios do país, dezenas de capitais e cidades do interior do país estão integrando sistemas de IA para agilizar processos internos e melhorar o contato com o cidadão. Para acessar a tecnologia, estão criando laboratórios de inovação nas prefeituras e firmando parcerias com universidades, startups e big techs.

Segundo Johann Dantas, presidente da Associação Nacional das Cidades Inteligentes, Tecnológicas e Inovadoras (Anciti), a pandemia exigiu que os municípios avançassem na transformação digital. Foi inclusive neste período que surgiu um movimento colaborativo de compartilhamento de códigos-fonte. A prefeitura de Recife cedeu seus códigos de programação para que outras cidades também pudessem criar seus próprios apps de agendamento de vacinação, por exemplo.

De lá pra cá, gestores municipais ficaram mais familiarizados com as ferramentas digitais e atentos à importância de tornar as cidades inteligentes. Ao menos 24 prefeituras associadas à Anciti, criada em 2021, reúnem-se anualmente para debater inovações e compartilhar soluções, agora incluindo as baseadas em IA, para diferentes desafios urbanos.

— O salto tecnológico foi gigantesco durante a pandemia, e agora, com a IA, será ainda maior. É claro que tem cidades que já estão muito desenvolvidas e outras nem tanto. Mas a tecnologia hoje é necessária, e quem não usa perde pontos — diz Dantas, que também preside a Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de São Paulo (Prodam-SP).

No Recife (PE), a criação em tempo recorde de um app para agendar vacinas deu à prefeitura um conhecimento maior sobre os cidadãos. E a prefeitura tem usado esses e outros dados para expandir a oferta de serviços públicos, em parceria com o Google e universidades.

Conexão entre quem oferece e procura vagas

O primeiro produto criado foi o Geração de Oportunidade Recife (GO Recife) em 2021, uma plataforma que conecta quem procura emprego (autônomo ou formal) e quem oferece vagas ou busca contratar algum serviço. No programa, que pode também servir de vitrine para profissionais autônomos, uma IA cria em segundos um currículo do profissional com base nos dados de formação. O sucesso foi tanto que o app será replicado pelas prefeituras de Belo Horizonte (MG), Londrina (PR) e Rio de Janeiro.

Já no portal Conecta Recife, um morador pode acessar de forma rápida mais de 650 serviços da prefeitura. Em caso de dúvida, basta conversar com um robô digital criado há um ano a partir de um sistema de IA que direciona os serviços mais adequados a cada problema informado pelo usuário, considerando sua localização.

A prefeitura também já usa IA internamente, para agilizar a análise e liberação de crédito no CredPop, modalidade de empréstimos para micro e pequenos empreendedores. Dentro do programa, outro robô cria um plano de negócios, considerando o valor recebido pelo profissional, e indica caminhos para ele aumentar a rentabilidade do recurso e investir bem o dinheiro.

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Na área da saúde, a IA já consegue analisar exames de hemogramas e auxiliar médicos da capital pernambucana na detecção de hipertensão futura, diabetes e neoplasias.

No WhatsApp, o canal da prefeitura do Recife responde a população e pode ser também servir de guia virtual para os turistas. O chatbot indica circuitos de turismo e pode responder em inglês, espanhol e francês.

Por meio desse canal, a prefeitura também avisa moradores 15 dias antes de uma consulta marcada no SUS. Integrado com o Ministério da Saúde, o sistema permite que o paciente reagende caso não possa comparecer.

— Agora, a prefeitura vai até o cidadão. É uma mudança de paradigma para se ter o direito garantido — diz Bernardo D’Almeida, diretor de gestão da Empresa Municipal de Informática.

ChatGPT dos servidores

Em São Paulo (SP), maior cidade do país, o uso de IA pela prefeitura ganhou tração no ano passado, após a criação do hub de inovação Inspira Sampa em 2022, em parceria com big techs e universidades como a Mackenzie. Em dezembro de 2023, a Prodam-SP lançou quatro produtos com IA da linha “Pronto”, que visa dar celeridade a processos e facilitar a prestação de serviços.

No combo, há o “Reconhece Aí”, “Conversa Aí”, “Documenta Aí” e “Classifica Aí”, um conjunto de soluções de IA que auxiliam em atividades como identificação, validação, classificação e preenchimento e classificação de documentos, formulários e relatórios, podendo ser usado também por empresas.

Na Secretaria da Fazenda, a robô digital Sofia (espécie de ChatGPT interno da prefeitura) ajuda os servidores a buscarem informações rápidas sobre temas como IPTU, ITBI ou taxas, para auxiliar no atendimento ao público. Na SPTrans, a IA auxilia no planejamento das linhas e no gerenciamento do Bilhete Único para combater fraudes.

‘Drone semeador’

No Rio de Janeiro (RJ), dois projetos se destacam. Um usa IA para pilotar um “drone semeador”, que dispersa cápsulas de sementes nativas para reflorestamento em Campo Grande, na Zona Oeste da capital fluminense, a fim de amenizar os efeitos das ondas de calor.

O outro é voltado para o processamento de previsões meteorológicas imediatas e de curto prazo através de modelos de IA. A plataforma, feita em colaboração com instituições como Impa, LNCC, Cefet-RJ e UFF, será testada pelo AlertaRio e o Centro de Operações Rio (COR), ajudando a prefeitura a definir ações proativas e mitigar riscos de fenômenos climáticos.

Em Belo Horizonte (MG), a prefeitura investiu nos últimos anos em infraestrutura tecnológica, como data centers, fibra ótica, sistemas de informação e de segurança da informação, conta Jean Duarte, diretor-presidente da Empresa de Informática e Informação (Prodabel) da capital mineira. Com a estrutura adequada, ficou mais fácil incorporar a IA para análise de dados em meados de 2022.

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A primeira experiência foi um chatbot para o cidadão buscar informações no portal da prefeitura, e que agora vem sendo aprimorado para fornecer respostas mais assertivas. A Secretaria da Fazenda também já usa IA para analisar notas fiscais enquanto um grupo de procuradores do município começam a testar a tecnologia na produção de peças jurídicas.

IA associada a câmeras

Na cidade de Porto Alegre (RS), o investimento em IA teve como ponto de partida, há três anos, a criação de um smartlab, um laboratório inteligente da Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação da prefeitura (Procempa). Ali, foi estruturado um departamento de inovação que hoje orienta como a administração municipal deve usar a IA.

Uma das primeiras ferramentas foi uma rede neural para detecção de uso de máscara facial em locais onde a entrada com o item é obrigatório, como centros cirúrgicos de hospitais municipais. A prefeitura de Porto Alegre também já usa um sistema inteligente que avalia as condições da pavimentação de vias públicas e dá notas a eles. Outro exemplo é a IA associada a imagens de câmeras de vigilância, que pode identificar mais rapidamente sinais de incêndios ou de invasão a prédios públicos.

Dois sistemas novos de IA estão em fase de teste na capital gaúcha. Um para detecção precoce de câncer de pele e de mama nos hospitais e outro para análise de placas de veículos em tempo real, capaz de reconhecer licenciamento vencido ou até veículos roubados. Também está em desenvolvimento o SmartGen POA, uma espécie de ChatGPT da prefeitura de Porto Alegre que deve começar a analisar documentos internos nas secretarias, agilizando o trabalho de servidores.

— As ferramentas de IA promovem maior assertividade nas tomadas de decisão — diz Leticia Batistela, presidente da Procempa.

Soluções também no interior

As capitais são as que mais têm recursos para investir nessa área, mas há exemplos também no interior, em ciades médias. Em Pindamonhangaba (SP), seis ferramentas de IA já são utilizadas para auxiliar a gestão municipal.

A mais recente a ser implementada foi um chatbot da prefeitura no WhatsApp que tira dúvidas da população sobre serviços, impostos, trânsito e mobilidade. A solução foi desenvolvida junto com a startup Gove, que modelou o robô para adotar um tom amigável nas conversas com cidadãos, ainda que formal.

Fortaleza lançou em novembro a Marisol, uma assistente virtual com IA que reúne os serviços on-line e informações úteis para a população. A prefeitura da capital cearense também desenvolve uma ferramenta com IA que será usada para diferentes tipos de videomonitoramento, como contabilizar a média de ciclistas nas ruas da cidade, identificar pontos de descarte irregular de lixo e a predição de acidentes de trânsito.

Em Brasília, o governo do Distrito Federal (DF) testa modelos de IA para aprimorar a medição da qualidade do ar e da água da capital federal em tempo real com o processamento de dados de sensores no Parque da Cidade. E planeja investir R$ 20 milhões em dois anos na criação de um ecossistema para desenvolver soluções em IA no DF.

Falta de pessoal especializado

Apesar dos benefícios trazidos pela IA, o uso ainda é muito aquém do potencial dessa tecnologia nas cidades e ainda chega a uma minoria de prefeituras. Em muitos municípios, há uma série de atrasos tecnológicos que impedem o uso de IA.

Pesquisa da Gove sobre transformação digital realizada entre 2021 e 2022 apontou ausência de infraestrutura e pessoal na área de tecnologia e gestão de dados. De 84 prefeituras que responderam ao questionário, 67,9% não tinham nem um especialista em dados dedicado às atividades de coleta e análise de dados para planejamento e monitoramento de políticas públicas.

Além disso, 38,1% disseram que a administração municipal não adaptou suas atividades à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Apenas 4,8% relatam utilizar tecnologias de IA em alguma atividade, como processos internos, atendimento ao cidadão e às empresas ou no planjamento da infraestrutura urbana.

— O jurídico municipal ainda é bastante conservador com relação à aplicação de novas leis para contratação de inovação. Isso dá muito temor e gera, no fim das contas, aquele apagão das canetas, onde ninguém quer assinar para contratar uma inovação — explica Rodolfo Fiori, cofundador da Gove.

Gestores públicos também precisam redobrar a atenção sobre os riscos envolvidos no uso de IA, já que lidam com extensas bases de dados dos cidadão. Jean Duarte, da Prodabel, reconhece que, em caso de parceria com big techs, é preciso ainda mais cuidado no manuseio dessas informações:

— A gente não pode delegar para um terceiro todo o processo decisório sem entender como aquilo é formatado e as variáveis que estão envolvidas. É preciso critério, tem que ter um cuidado, além de uma institucionalização, cultura e capacitação para o uso.

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