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Disciplina e austeridade são bases para uma gestão bem-sucedida, diz Gustavo Werneck. Aos 50 anos e perto de completar duas décadas na Gerdau — maior produtora de aço do Brasil e com operações em nove países, incluindo os Estados Unidos —, o engenheiro assumiu o comando da companhia em 2018, com um assento no Conselho de Administração a partir do ano seguinte.

Na primeira de uma série de entrevistas de CEOs sobre como progredir na carreira, Werneck conta que, mesmo em tempos de abundância, pensa como se estivesse em escassez: “Esse medo de morrer como empresa é uma coisa que sempre está muito dentro de mim”, frisa ele, sublinhando que não se deve presumir que a trajetória de mais de 120 anos da companhia seja garantia de outro século de operação pela frente.

O foco desta série do GLOBO, exclusiva para assinantes, será mostrar como os líderes de empresas de diferentes portes, perfis e vocação veem o profissional do futuro. E o que colocam na balança na hora de fazer uma contratação e montar sua equipe.

Na visão de Werneck, há uma qualidade profissional que vem à frente da competência técnica para atuar no grupo: foco em pessoas e em serviço ao cliente.

Ele defende a criação de equipes mais diversas e inclusivas — reconhecendo que o mundo corporativo ainda engatinha nessa jornada — e o uso da tecnologia para acelerar ganhos de competitividade.

Leia, abaixo, os atributos listados pelo executivo como essenciais para uma carreira de sucesso. E veja, neste primeiro vídeo, em rápidas respostas, como Werneck lida com as perguntas que desafiam todos os líderes, como “Remoto, presencial ou híbrido?”, “Vivência ou currículo?”, “Uma derrota pessoal e o que faria diferente?”.

CONTRATAÇÃO IRRESISTÍVEL: “É aquele que consegue ter um pensamento não só de resultados financeiros, mas olhar com amplitude maior”

Antes de responder, preciso dizer que é quase imprescindível que o gestor atue pessoalmente nessa contratação. É uma atividade que não pode ser delegada. É fundamental que quando você vai trazer pessoas para sua equipe, você se envolva pessoalmente.

O RH pode te apoiar, mas o protagonismo da decisão é todo do gestor. Em segundo lugar, eu aprendi que quando se quer trazer um profissional do mercado, você já está há muito tempo observando a atuação dele, já sabe quem é, se tem capacidade de aderência cultural à organização, o que pensa.

Dificilmente hoje eu peço para contratar um profissional, delego essa atividade a alguma empresa de hunting (de busca de talentos) sem que eu já conheça os profissionais. Eu acho que é uma forma de ter assertividade.

Posto isso, acho que o profissional irresistível é aquele que cada vez mais consegue ter um pensamento não só de shareholder (acionista), de resultados financeiros, mas pessoas que conseguem olhar com amplitude maior todas as necessidades da sociedade, equilibrar isso de forma adequada.

Pessoas que têm uma visão social, uma visão de mundo muito moderna, compreendendo que cada vez mais o papel das empresas não é só gerar resultado financeiro, mas também contribuir de forma decisiva para atender os desafios da sociedade.

Procuro muito também trazer pessoas para trabalhar comigo que são melhores do que eu, que têm capacidade de formular soluções para problemas diferentes das que eu tenho.

PARA CRESCER PROFISSIONALMENTE: “É preciso cativar, entender as necessidades e criar valor no longo prazo para os clientes”

O profissional iniciando agora no mercado precisa se acostumar a ter um olhar muito profundo para a criação de valor para os clientes. Eu vejo muitos jovens profissionais com uma preocupação grande de aprender como a empresa funciona e, de alguma forma, querer mostrar para os seus líderes que são bons em determinados aspectos.

Mas aqueles jovens que entram na empresa e têm um olhar muito diferenciado para o cliente — como se cativa, entende as necessidades, cria valor no longo prazo para o cliente —, cada vez mais serão os profissionais que vão trilhar histórias de sucesso.

Mas o nosso olhar, de forma geral para as empresas, no que diz respeito aos clientes, ainda é muito raso. Os clientes estão se transformando, cada vez mais precisando encontrar parcerias em toda a cadeia de fornecimento de criação de valor compartilhado, e mesmo os profissionais mais experientes ainda têm um pouco de dificuldade de entender isso.

TER UM TIME DE SUCESSO: “Ter uma cultura de baixa hierarquia e montar uma equipe diversa, que consiga trabalhar com ego baixo”

Para montar um time vencedor, a questão da cultura da empresa faz muita diferença. Porque, no mundo atual, a gente pode copiar modelos de negócio, levantar dinheiro, montar uma empresa, mas a questão da cultura, da liderança e de pessoas, não é copiável.

Ter uma cultura de baixa hierarquia, de participação conjunta na busca da solução para os dilemas que as empresas da sociedade têm é fundamental.

E trazer pessoas assim na equipe, que têm um potencial, um conhecimento muito melhor do que o da gente, é importante. Quando a gente consegue montar uma equipe diversa, que se complemente, que consiga trabalhar com ego absolutamente baixo, que aceite feedback, eu tenho cada vez mais visto as possibilidades que nós temos de montar times muito vencedores.

TRABALHO E VIDA PESSOAL: “As pessoas criam folclores corporativos. Tenho tempo para fazer absolutamente tudo, porque delego muito”

É muito mais simples do que a gente imagina. As pessoas criam talvez folclores, inverdades corporativas, dizendo que a gente não tem tempo. A grande questão é que ainda tem numa hierarquia tradicional com ego elevado, com muito medo de delegar.

Quando você tem medo de delegar, centraliza as decisões e, de fato, não há tempo para nada. Mas quando você consegue compartilhar com a tua equipe, delega, dá autonomia para as pessoas, fica muito mais simples conciliar o tempo de trabalho e o tempo pessoal.

Eu tenho tempo para fazer absolutamente tudo que eu quero, porque delego muito, dou autonomia e responsabilidade para minha equipe.

O meu principal hobby é a arte marcial, é onde eu consigo também equilibrar a minha vida do dia a dia, a profissional com a pessoal, porque ela estimula momentos de introspecção, de concentração, de tranquilidade.

QUALIFICAÇÕES RELEVANTES: “Quando se entende que a melhor solução está num ponto intermediário entre o que eu penso e o outro pensa”

Eu resumiria tudo na capacidade de cuidar de pessoas. A gente tem muita empatia para entender que o ativo mais importante das companhias são suas colaboradoras, seus colaboradores, suas pessoas. Então, essa questão de saber negociar acaba dentro da empatia também.

Quando se tem uma escuta ativa, um olhar atento ao ser humano e se entende que, geralmente, a melhor solução está em algum ponto intermediário entre o que eu penso e o que a pessoa pensa, aí essa mágica acontece. Essas pessoas aprendem e desenvolvem conhecimento.

DIVERSIDADE E INCLUSÃO: “As pessoas continuam colocando dificuldades, restrições, como se as soluções não estivessem nas nossas mãos”

As empresas já vêm lançando um outro olhar em relação a isso. Eu diria que a gente saiu da inércia, mas ainda há muito a ser feito. Ainda há muitos vieses conscientes ou inconscientes, muitas desculpas para a gente não fazer esses temas avançarem.

As pessoas continuam colocando dificuldades, restrições, como se as soluções não estivessem nas nossas mãos. A gente avançou muito com relação a esse tema na Gerdau, e quanto mais a gente avança mais os resultados vêm, mais o olhar profundo para a sociedade.

Ele passa a fazer parte do dia a dia, então é um desafio para as empresas. Na nossa, a gente conseguiu avançar bem. É um caminho sem volta, e a gente tem muito para fazer ainda.

TRABALHO E SAÚDE MENTAL: “Estamos engatinhando. Mas colocar a solução, muitas vezes, não é tão complexo quanto a gente imagina”

É indissociável. Se a empresa não tem uma cultura onde a pessoa se sente acolhida, ela não tem coragem de falar o que está acontecendo. Se você tem um problema de depressão, de ansiedade, financeiro ou de outra natureza e se sentir acolhido pela empresa, sabendo que se levar o problema vai ter uma resposta muito positiva, da empresa te apoiar, aí a mágica começa a acontecer.

E começa por esse papo porque as pessoas não têm coragem de falar, de compartilhar os seus problemas. Para nós, essa criação da cultura, o que a gente vem fazendo há algum tempo, de acolhimento ao ser humano, ela começa a trazer os problemas para fora.

E aí colocar a solução, muitas vezes, não é tão complexo quanto a gente imagina. Por isso que eu fui ao Butão no ano passado, para olhar o sistema de felicidade bruta do país.

Agora, a gente está num processo de transcrição desses conceitos do Índice de Felicidade Bruta (usado no país) para o nível empresarial, entender como aplicar dentro das organizações e ajudar as pessoas a terem uma saúde mental melhor.

Estamos engatinhando. Mas, ao mesmo tempo, acredito que empresas como a nossa dão luz ao tema quando falam mais e mostram resultados. Causam impacto muito positivo para acelerar essa mudança.

COMO LIDAR COM CRISES: “Mesmo em momentos de abundância, temos que viver esse pensamento de escassez”

Eu penso que a gente tem de viver, mesmo em momentos de mais abundância, esse pensamento de escassez. A gente nunca deve abandonar isso da escassez, no sentido de ter um olhar austero para as coisas, disciplinado.

Em momentos em que os mercados são mais favoráveis, se consegue ter resultados melhores, mas nos momentos em que o mundo tem dificuldades mais gerais, na economia, a gente está sempre pronto para enfrentar esses desafios.

As empresas não deveriam ficar mudando seus pensamentos toda hora para abundância ou escassez. De certa forma, é preciso ter essa disciplina e austeridade para poder viver todos os momentos de tal forma que quando vem crise ou vem dificuldade não tenha que mudar radicalmente a sua organização.

Porque a pior coisa que tem é quando começa a se criar um clima de derrota, de piora dos resultados. Aí se afeta toda a organização.

Na Gerdau, sempre olhamos o mundo de uma forma muito austera. Em momentos em que a crise vem, a gente está sempre muito bem preparado para isso.

COMPETITIVIDADE: “Esse medo de morrer como empresa está muito dentro de mim. Cada dia de trabalho é um dia novo”

A gente tem que ter sempre o pensamento de que as coisas podem mudar muito radicalmente e as empresas desaparecerem. Numa empresa como a nossa, de 122 anos de história, nunca se pode ter a arrogância de achar que a gente ter vivido durante todo esse tempo dá a garantia de que a gente vai conseguir construir uma história de mais cem anos.

Esse medo de morrer como empresa é uma coisa que sempre está muito dentro de mim. Termos a humildade necessária para ver quem está fazendo melhor do que nós, para saber que cada dia que a gente começa o nosso trabalho é um dia novo. O sucesso de ontem não garante o sucesso de hoje. É entender que quanto mais a gente consegue ter uma empresa que mantém a sua cultura naquilo em que ela foi positiva ao longo do tempo e, ao mesmo tempo, consegue incorporar novos elementos é um ponto muito importante para nós da competitividade.

A gente tem conseguido manter o nosso desempenho organizacional tradicional com a incorporação intensa de novas metodologias vindas do mundo digital. E consegue ser uma empresa do que se chama no mercado de ambidestra: mantém o que é bom do mundo tradicional, da velha economia, mas, ao mesmo tempo, vai incorporando de uma forma muito intensa e decisiva os conceitos da nova economia.

Toda a transformação digital, Inteligência Artificial, estão muito presentes. No nosso dia a dia há uma utilização intensa de dados e algoritmos, para tomar decisão. Isso tem nos ajudado muito na nossa competitividade.

USO DE REDES SOCIAIS: “A gente não consegue hoje passar as nossas mensagens se não estiver presente”

Tem que usar. A gente não consegue hoje passar as nossas mensagens, as narrativas adequadas, se não estiver presente. Em paralelo, isso exige muita transparência nas coisas que a gente posta, faz, até uma clareza de que não é possível separar os temas pessoais dos temas empresariais.

Acho que tem de se estar (nas redes), mas tem que ter uma estratégia, uma disciplina, saber exatamente quais as histórias que a gente quer contar.

A gente tem uma boa gestão da utilização das redes sociais. É uma forma muito positiva de se conectar de maneira mais próxima com a sociedade. Mas é preciso respeitar o compliance (as regras internas da empresa), a legislação. Acho que uma nova grande atribuição da área de comunicação corporativa é como fazer uma gestão adequada das redes sociais, o que é um desafio.

PARA ATUAR NO SETOR DO AÇO: “É cada vez menos a formação acadêmica e cada vez mais o olhar do indivíduo que tem feito diferença”

(Formação acadêmica específica) não é essencial. Cada vez mais a gente tem aberto a Gerdau para todo profissional, das mais diversas formações, que trazem vivências diferentes, pontos de vista diferentes. Independente da formação acadêmica, aquelas pessoas que têm uma visão de cliente muito profunda, que compreendem a importância do nosso papel de servir o cliente, a sociedade (contam mais).

É cada vez menos a formação acadêmica e cada vez mais o olhar de cada indivíduo, de cada profissional com relação ao mundo as suas transformações, seus clientes, que tem feito diferença.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS: “Cada colaboradora e colaborador precisa saber o impacto de cada atividade que faz para a redução da temperatura global”

É absolutamente fundamental (ter um olhar para mudanças climáticas). Ainda mais no pós-pandemia, onde percebo que o senso de urgência com relação às ações a serem implantadas para reduzir os efeitos climáticos no planeta se reduziu. Se a gente não tiver pessoas que mantenham esse senso de urgência, vamos enfrentar um período muito difícil.

Nessa questão, a preocupação com o planeta, que é o “E” do ESG (sigla em inglês para práticas ambiental, social e de governança nas empresas) e a preocupação com as pessoas, que é o resto, têm de fazer parte da cultura da empresa. Não têm que estar só nos níveis mais altos da organização, dentro de uma narrativa elaborada pela área de comunicação. Isso precisa fazer parte da cultura. Cada colaboradora e colaborador precisa saber exatamente o impacto de cada atividade que faz no dia a dia para a redução da temperatura global, para a redução das emissões de gases de efeito estufa.

Essa cultura das empresas precisaria trazer esse ponto muito mais intenso do que traz atualmente. Os últimos eventos climáticos têm mostrado a urgência da gente colocar ações cada vez mais aceleradas para mitigar esses grandes riscos que a gente está vivendo.

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