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Em meio a um impasse no processo de sucessão no comando da Vale, a mineradora voltou a ser alvo de críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o presidente, a companhia “precisa prestar contas ao Brasil” e não pode agir como “dona” do país. As declarações marcam nova ofensiva do governo federal para tentar emplacar um nome alinhado ao Palácio do Planalto no cargo de CEO da empresa, que foi privatizada na década de 1990.

— A Vale não pode pensar que ela é dona do Brasil, que ela pode mais do que o Brasil. As empresas brasileiras precisam estar de acordo com o entendimento de desenvolvimento do governo brasileiro — disse Lula em entrevista à RedeTV!, ressaltando, porém, que não discutia a sucessão da mineradora.

Depois da tentativa fracassada de emplacar o ex-ministro Guido Mantega no comando da Vale, o governo insiste em tentar um substituto para o atual CEO, Eduardo Bartolomeo, cujo mandato vai até maio. O executivo tem boa avaliação do mercado em aspectos como segurança e resultados operacionais, mas é alvo de críticas em relação ao trânsito político.

Para auxiliares de Lula, o atual comando não tem interlocução com o governo federal nem com governos estaduais e teria represado investimentos.

Monopólio do setor

O governo busca alguém alinhado e com foco na ampliação de investimentos no país. O nome mais cotado em Brasília passou a ser o de Paulo Caffarelli, como informou o colunista do GLOBO Lauro Jardim.

Ele chegou a ser secretário executivo de Mantega na Fazenda, é ex-presidente da Cielo (parceria do BB com Bradesco, também acionista da Vale), ex-diretor do BB e da CSN. Também circula o nome de Murilo Ferreira, ex-CEO da própria Vale.

Nesta nova incursão para interferir no processo sucessório, os movimentos são feitos via Previ, fundo de pensão dos funcionários do BB e maior acionista da Vale, e em conversas com outros acionistas.

João Fukunaga, presidente da Previ, tem atuado nesta frente junto a alguns colegas de Conselho de Administração. O fundo tem dois assentos no Conselho. Outro nome que circula entre conselheiros é o de Luís Henrique Guimarães, ex-CEO da Cosan — empresa que tem ações da Vale.

Na entrevista, Lula disse ainda que a Vale não pode ter o que chamou de “monopólio” do setor.

— A Vale está tendo problemas no Pará, em Minas Gerais, não pagou o que gerou em Brumadinho. Eles ficam fazendo propaganda como se fosse a empresa mais importante do Brasil, mas é só perguntar para os mineiros — afirmou. — O que queremos é uma nova política mineral, queremos dar força para todas empresas que estão querendo cuidar de minerais críticos. A Vale não pode ter o monopólio. A Vale é que precisa prestar contas ao Brasil.

A referência a Brumadinho (MG) se deve ao rompimento de uma barragem que deixou 270 mortos cinco anos atrás. Apesar da afirmação de Lula, a mineradora firmou acordo de reparação de R$ 38 bilhões por causa do desastre.

Direito de explorar minas

No Pará, governado por Helder Barbalho (MDB), aliado de Lula, a Vale enfrentou problemas semana passada, quando a Secretaria do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (Semas) determinou a suspensão das licenças de operação de duas minas da Vale, Sossego (de cobre) e Onça Puma (de níquel).

Na última segunda-feira, a mineradora informou que conseguiu liminares no Judiciário paraense para retomar as licenças.

Lula criticou a venda de ativos por parte da mineradora, mas elas refletem posicionamento que a Vale tem adotado nos últimos anos, de focar em qualidade e nas minas de ferro, cobre e níquel, de olho na transição para economia de baixo carbono.

Uma das vendas foi um projeto de produção de carvão em Moçambique, citado na entrevista por Lula. A saída de projetos de carvão está alinhada com esse objetivo.

Uma crítica nos bastidores do governo é que mineradoras estariam deixando de explorar direitos minerários, represando investimentos. Na prática, é referência ao direito de explorar minérios, sem levar adiante os projetos. Para ministros, é possível juridicamente cancelar direitos que não foram alvo de investimentos.

Integrantes do governo também se queixam da indefinição do Conselho de Administração. Em reunião neste mês, dos 13 membros do colegiado, seis votaram a favor da recondução de Eduardo Bartolomeo, outros seis votaram a favor da abertura de processo de sucessão e um último voto optou pela abstenção.

Ministros do governo dizem que, se a indefinição persistir, o governo vai subir o tom ainda mais e dizer que uma empresa do tamanho da Vale não pode ficar “à deriva”.

Para Sérgio Lazzarini, professor do Insper que pesquisa relações entre empresas e governos, desastres ambientais e sociais podem servir de motivo para críticas à Vale, mas não justificam interferências.

— Se a empresa cometeu erros, os governos têm instrumentos institucionais de cobrança. Pode aplicar multas, acionar o Judiciário, firmar acordos de compensação, como foi feito com a tragédia de Brumadinho. Só que essas ações não são tratadas com a presença do Guido Mantega na gestão da empresa — afirmou Lazzarini.

Risco ao investimento

Para o professor, o mesmo serve para as críticas em relação às regras do setor mineral. Se o governo não está satisfeito com o marco regulatório do setor, pode mandar nova proposta de legislação para o Congresso. Para lidar com monopólios, o Estado já tem órgãos de controle da concorrência.

Para o advogado Marcelo Trindade, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado de capitais, as declarações do governo Lula reforçam uma visão estatizante, ao mesmo tempo que parecem buscar garantir vagas para aliados. Mas essa ação pode ter impacto para as empresas:

— A governança reforça a resistência (a ingerências políticas). O problema é que toda a resistência gera fricção, portanto, gera custo. No caso concreto, esse custo é o Custo-Brasil. Os investidores quando olham as companhias privadas em que colocaram dinheiro sendo atacadas pelo governo no discurso, preferem outras empresas.

Com os ruídos políticos, as ações da Vale fecharam em queda de 1,10%, a R$ 66,74. Segundo analistas e investidores, a indefinição sobre a sucessão de Bartolomeo e a preocupações com a economia da China pesaram mais sobre as cotações.

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