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O crescimento meteórico do valor de mercado da Nvidia este ano, para a quarta empresa mais valiosa do mundo, com quase US$ 2 trilhões, também vem puxando as ações de outras techs, como Microsoft e Meta. Essa euforia, no entanto, tem feito o mercado questionar se não haveria uma supervalorização dessas empresas — e, pior, se poderia ser o prenúncio de uma nova “bolha pontocom”, como a que estourou no início dos anos 2000.

Analistas veem alguns paralelos com o fenômeno da bolha da internet, mas há um consenso de que as empresas que hoje lideram a revolução da IA têm modelos de negócios bem mais consolidados do que as daquela época.

Isso permitiria um crescimento mais sustentável a longo prazo, além de correções de seus preços ao longo do tempo. Mas nada disso impede o surgimento de uma possível bolha adiante, embora este não seja o cenário mais provável hoje.

Do ponto de vista do investidor, diversificar os investimentos ou apostar em fundos de ações (ETFs) de IA no exterior são vistos pelos especialistas como os caminhos mais seguros. Nesse sentido, apostar todas as fichas em uma única companhia, como a Nvidia, pode ser muito arriscado.

A ‘bolha pontocom’

Na época da bolha das pontocom, os investidores aplicaram rios de dinheiro em empresas de tecnologia da informação, que começavam a desenvolver seus primeiros serviços virtuais. Mas grande parte desses investimentos era sustentado por promessas e especulações a respeito dos avanços tecnológicos, em um período de baixas taxas de juros e ampla disponibilidade de capital de risco no mundo.

Só que muitas dessas companhias não tinham modelos de negócios bem estabelecidos, apesar de suas ideias promissoras para a então recém-surgida internet. Provar-se rentável era um desafio – e uma grande aposta.

Depois de todo um crescimento exponencial via capital especulativo, as companhias foram mostrando dificuldade na geração de lucros e resultados. O resultado foi o estouro da bolha, com investidores correndo para vender seus papéis, e companhias quebrando ou perdendo grande parte do seu valor de mercado. Microsoft, Amazon, Cisco, Intel, Oracle e IBM estão entre as gigantes que sobreviveram à crise.

Modelo de negócio bem definido e entrega de resultados

Hoje, as semelhanças com aquela época são o ganho concentrado em poucas empresas de tecnologia e a valorização muito rápida da Nvidia. No ano, as ações da fabricante de chips predileta de Wall Street acumulam alta de 60%, tendo passado de US$ 495,22 a US$ 791,22.

Para Thiago Guedes, diretor de negócios da startup Bridgewise, o movimento das ações da Nvidia — com alta, volume e velocidade fortes — traz o alerta por ter características de bolha. Por outro lado, o balanço da companhia fundada por Jensen Huang mostra fundamentos sólidos, que ajudam a afastar essa ideia:

— O fluxo de caixa da empresa está muito grande, então ela tem lastro. Não é uma empresa que está alavancada utilizando dinheiro dos outros para crescer, por exemplo. Isso protege dessa visão de bolha e deixa a gente mais tranquilo. O que não impede de ter correções fortes, que são quedas rápidas. Uma hora o investidor, seja pessoa física ou um fundo de investimento, vai querer vender para botar algum lucro no bolso e diversificar esse dinheiro. Provavelmente vamos ver essa volatilidade, mas não como uma bolha, de perder valor e não existirem mais essas ações — diz Guedes.

Levantamento da Bridgewise a pedido do GLOBO mostra que o índice Nasdaq Composite chegou a subir 593,12% entre janeiro de 1995 e março de 2000. Entre março de 2000 e outubro de 2002, caiu 78,4%. Para efeito de comparação, da última queda forte, em outubro de 2022 até hoje, o Nasdaq Composite subiu 58,6%.

— O índice não aparenta estar tão esticado para configurar uma bolha — diz Guedes. — O principal risco da Nvidia é ela não investir esse caixa em novas tecnologias ou não pagar dividendos e esse dinheiro ser mal investido.

William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, também admite a preocupação com uma possível bolha. Mas avalia que o cenário naquela época era muito mais de especulação do que de resultados concretos. Situação bem diferente da atual, já que as empresas em destaque têm negócios lucrativos, escaláveis e “números gigantescos”, afirma. E, no caso da Nvidia, ela vinha fazendo o “feijão com arroz” na seara dos games muito antes de sua valorização por conta da IA.

A demanda nos dois momentos também é diferente, diz Alves. Enquanto naquela época a procura por determinados produtos e serviços, como o e-commerce, ainda era mais incentivada do que efetiva, hoje existe uma demanda específica de empresas que querem desenvolver seus modelos de IA.

— O mercado é extremamente emotivo e tradicionalmente ele exagera, mas isso não quer dizer que a gente esteja vivendo uma bolha. São empresas que hoje têm modelos de negócio muito bem estabelecidos, com histórico de criação de valor ao acionista, além de produtos, receitas, margem de lucro e retorno sobre dólar investido elevados. Isso é bem diferente daquela época — afirma Alves.

Caio Fasanella, diretor e chefe de investimentos da Nomad, concorda com Alves que hoje o fluxo de investimentos está concentrado em empresas já bem estabelecidas, lucrativas e que têm geração de receita importante, diferentemente do cenário nos anos 2000:

— Naquela época, tínhamos um fluxo muito grande de dinheiro indo para empresas e projetos pré-operacionais, das quais qualquer avaliação e precificação é superdifícil. E ainda com aquele sentimento de fogo no mercado exacerbado. Todo mundo queria achar as grandes empresas ou projetos que iam se beneficiar da internet e iam explodir. Qualquer racionalidade, depois um certo momento, para de existir — destaca.

O banco americano JPMorgan foi um dos primeiros a levantar a bola sobre o peso das empresas de tecnologia no mercado acionário e o risco de uma bolha especulativa. As ações de Apple, Amazon, Alphabet, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla– conhecidas como as “Sete Magníficas” – respondem hoje por quase 30% do valor de mercado do índice S&P 500.

Mas economistas do JPMorgan ponderaram em relatório, depois de o balanço da Nvidia do quarto trimestre mostrar alta de 769% nos lucros, que as sete empresas “são mais resilientes do que suas valorizações de curto prazo levam a crer” e que os fortes ganhos das empresas mostram que elas são “dignas dos seus ralis”.

Para Alves, da Avenue, a discussão que talvez o mercado tenha que fazer é sobre o fato de a demanda por semicondutores ser cíclica — algo que a própria Nvidia apontou, ao afirmar que a IA atingiu um “ponto de inflexão”.

— Talvez daqui a dois anos ela não consiga entregar mais esse mesmo crescimento todo. É aqui que o mercado se equivoca quando perpetua esse otimismo. O horizonte ainda é positivo, mas para os próximos dois anos já fica turvo — afirma.

Espaço para novos ‘players’

Por ora, a demanda por chips de inteligência artificial não dá sinais de desaceleração. E analistas esperam que, em um horizonte de dois anos, outros players consigam ampliar sua fatia no mercado de chips de alto desempenho.

Além disso, espera-se que haja uma migração do peso, no mercado, das fabricantes de hardware (chips) para as desenvolvedoras de software, que estão mais na ponta da prestação de serviços. Assim, a tendência é que haja uma correção do mercado no médio prazo.

— Além disso, muitas big techs vão produzir seus próprios chips, e já há outros competidores. Não dá para dizer que a competição não vai se acirrar e que a Nvidia vai navegar sozinha nesse mundo de hardware — conclui o diretor de investimentos da Nomad.

Para Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP, as margens da Nvidia serão pressionadas quando a oferta e a demanda for balanceada e aumentar a competição.

Ganho de produtividade

Outro fator que vem impulsionando os preços das ações das big techs é o salto de produtividade que os setores econômicos podem ter a partir do ganho tecnológico prometido pelas soluções de IA, destaca Fasanella.

Segundo o economista, essa é uma questão que permeou o debate de analistas em uma conferência em Miami no início deste ano e é um tópico que gera grande expectativa no mercado. Resta saber se as promessas das empresas vão se concretizar e justificar os ganhos:

— O que tem de consenso é que estamos num momento semelhante ao que aconteceu no final da década de 90, com o surgimento da internet. Isso está relacionado à expectativa em termos de revolução tecnológica e potencial que isso tem para ganho de produtividade e eficiência — diz Fasanella. — A questão é qual vai ser a velocidade para implementação e ganhos na prática. Em um horizonte de dois ou três anos, as aplicações vão estar de fato acontecendo.

Quanto ao debate sobre uma possível bolha, Fasanella lembra que o mercado financeiro até colhe aprendizados a cada bolha que surge, mas “tem memória curta”. Prova disso, diz, foi o boom das criptomoedas em 2017, sendo que hoje menos de 10% desses projetos continuam em vigor. Por isso, é bem provável que este debate sobre uma possível bolha da IA tenha de ser refeito daqui a alguns meses:

— O efeito psicológico é muito importante (no mercado). Existe um FOMO (medo de ficar de fora, pela sigla em inglês) exagerado? Vamos ter que acompanhar esses elementos nos próximos meses. Daqui a três meses vamos ter essa conversa.

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